Inconstitucionalidade da condução coercitiva é analisada pelo STF
A sessão de julgamento do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) da última quinta-feira, dia 7 de junho, começou a analisar o instituto da condução coercitiva de investigado para interrogatório sob o viés constitucional. A matéria é discutida por força das ADPFs (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 395 e 444, as quais alegam, em síntese, que a condução determinada pelo art. 260 do Código de Processo Penal é anterior à promulgação da constituição cidadã em 1988, não tendo, então, sido por essa recepcionada.
Após voto do relator, ministro Gilmar Mendes, que se manifestou pela proibição da condução coercitiva, reconhecendo-a como inconstitucional, o julgamento foi suspenso, devendo ser retomado na sessão da próxima quarta-feira, dia 13.
A condução coercitiva, de fato, revela-se como flagrante afronta a diversos preceitos constitucionais, principalmente os que dizem respeito à presunção de inocência e ao direito de não autoincriminação, ou seja, de o acusado não produzir prova contra si mesmo, reservando-se ao silêncio caso assim lhe convenha, tal como previsão do art. 5º, LXIII da Constituição.
Assim, já que o indiciado tem autorização legal para não depor frente a qualquer autoridade, seja ela policial ou judicial, a medida se revela como mero instrumento de intimidação e abuso de poder. Isso porque, na grande maioria dos casos nesse tipo de restrição à liberdade de locomoção, o indiciado não tem tempo hábil de acionar seu advogado para que esse tenha acesso aos autos, tomando ciência previamente daquilo que é imputado ao seu cliente a fim de fornecer-lhe a devida orientação técnica, o que afronta determinação expressa do art. 7º, XIV da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil).
Ademais, deve-se ressaltar que o inquérito policial é processo administrativo, sob o qual vige a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV da CF), ainda que de forma não exauriente. Por esse motivo – além do direito ao silêncio – é que se entende o interrogatório do acusado como instrumento que atende aos interesses da defesa (por isso não pode ser obrigado a comparecer) e não como meio de obtenção de prova. Inclusive, pode o indiciado, a qualquer momento da investigação, requerer a realização de diligências em face da autoridade policial (art. 14 CPP) a fim de refutar as acusações que lhe são direcionadas. Tal aspecto ameniza o caráter meramente inquisitório da investigação, conferindo status cooperativo entre autoridade policial e investigado à luz justamente das garantias democráticas efetivadas pela Constituição. Todo indiciado é amplamente abrigado por esses direitos, sendo que, se conduzido coercitivamente sem a devida assistência jurídica, pode ver-se numa situação de fragilidade frente à autoridade policial que eventualmente extrapola esses limites legais para obtenção de confissões de alguém que não é obrigado a falar.
A previsão do art. 260 do Código de Processo Penal remonta à sua redação original de 1941, decreto-lei promulgado por Getúlio Vargas durante um dos períodos mais autoritários da história do Brasil na vigência do Estado Novo. Já estava em franco desuso quando foi indevidamente revitalizada (e banalizada) pelas midiáticas operações policiais no cenário mais recente do país.
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Peter Filho explica:
– Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental: segundo uma interpretação ampla, trata-se de uma ação que tem por objetivo reparar lesão a preceito fundamental, que seria todo princípio ou regra constitucional dotada de um caráter de essencialidade no contexto da Constituição Federal.
– Direito de não autoincriminação: conhecido também pelo brocardo jurídico nemo tenetur se detegere, o direito ao silêncio é um marco constitucional democrático segundo o qual o sujeito não pode sofrer nenhum prejuízo por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório.
– Inquérito policial: procedimento administrativo de investigação preliminar que consiste na apuração da polícia judiciária, sob presidência do delegado de polícia. Busca-se a produção de elementos probatórios acerca da materialidade e indícios de autoria de infração penal, admitindo que o investigado tenha ciência dos atos investigativos após sua conclusão e se defenda da imputação. Como peça informativa, é voltada ao convencimento do Ministério Público quanto à prática de crime, ou não. As conclusões da investigação não vinculam o promotor de justiça, podendo ser, inclusive, dispensadas por ele quando se manifesta pelo seu arquivamento, ou até mesmo para eventual oferecimento de denúncia quando já dispõe previamente de elementos idôneos para tanto.