Artigo: Os cabelos raspados na cadeia | Por Cássio Rebouças
O achaque do momento é com a figura do ex-deputado e ex-assessor de Michel Temer, Rodrigo Rocha Loures, que pediu ao Superior Tribunal Federal (STF) acesso a todas as gravações existentes em seu inquérito sobre ele. O óbvio que qualquer acusado precisa para sua defesa: saber do que deve se defender.
No mesmo pedido, o investigado pede que, caso seja transferido para a Papuda, “que não se lhe raspe o cabelo, como fizeram no Rio de Janeiro com Eike Batista”. Aí vêm as piadas: “nossa, mas que tortura está sendo imposta”, “tadinho do cabelo dele” e por aí vai.
As reclamações levianas sobre a raspagem obrigatória do cabelo de presos, entretanto, não parecem perceber um assunto de fundo: Por que o Estado faz isso? O pretexto é, em suma (tirando a evidente e não declarada necessidade de humilhar o preso, seja o Eike, o Loures ou o pé-rapado que faz parte da clientela de costume do Direito Penal), o de que a raspagem de cabelos dos presos é necessária para evitar surtos de problemas de saúde na prisão, decorrentes da má-higienização.
Dizer que o fato de pessoas possuírem cabelos pode gerar a proliferação de doenças é admitir que os administradores do sistema penitenciário são absolutamente incompetentes em suas funções e não conseguem evitar surtos de doenças se as pessoas tiverem cabelos.
É abjeto, mas evidente que, num sistema (e aqui uso o exemplo capixaba, o “modelo a ser seguido”) em que a imensa maioria dos presos tem 1h de banho de sol por dia e passa as outras 23 horas do dia nas celas, sem poder assistir TV, ler livros, usar papel e caneta, trabalhar ou jogar, usando a mesma muda de roupa por uma semana e tomando banhos diários de cerca de 1 minuto e meio, em espaços acima da lotação, é quase impossível que doenças não se proliferem. Perto disso, a Papuda é um resort.
Enquanto o sistema penitenciário continuar com seu perfil desumanizador, os cabelos dos presos permanecerão como entraves à aparência de assepsia que busca (falsamente) transmitir.