Artigo – Avanços legais de proteção à mulher: suficientes para uma ação efetiva?
Historicamente, o papel social da mulher vem sendo ressignificado, mas ainda estamos longe de um lugar ideal. Isso porque a superioridade masculina foi uma construção de muitos séculos e por isso o processo de desconstrução sofre com muita resistência, principalmente daqueles que se beneficiam dessa sistemática. A violência doméstica é, então, dentre tantos outros, um gravíssimo sintoma do tanto que ainda existe de patriarcado em nossa sociedade, o qual precisa ser urgentemente debatido e combatido.
No quinto país do mundo que mais mata mulheres, a violência de gênero vem ganhando visibilidade por, mais do que nunca, estar sendo pauta de projetos de leis no Congresso Nacional. No ano de 2018 e 2019, tivemos muitos deles aprovados, tratando de importantes e delicados assuntos que tangenciam esse tema, dos quais destacam-se: Lei 13.641 de 2018, que criminalizou o descumprimento de medidas protetivas trazidas pela Lei Maria da Penha; Lei 13.718 de 2018, que alterou o Código Penal, criando a tipificação de importunação sexual; Lei 13.715 de 2018, que trouxe a possibilidade de perda do poder familiar daqueles que praticarem feminicídio, crime doloso envolvendo violência doméstica, estupro ou outros delitos contra dignidade sexual contra o cônjuge ou o próprio filho ou filha; Lei nº 13.880 de 2019, que garante a possibilidade de autoridade policial, em casos de violência doméstica e familiar, verificar a existência de registro de porte ou posse de arma de fogo em nome do agressor; e Lei 13.882 de 2019, que garante a prioridade, em matrícula escolar, para os filhos de mulheres que estão em situação de violência doméstica e familiar.
Essas medidas materializam minimamente o caráter interdisciplinar da violência contra a mulher, demonstrando a ineficiência do sistema em responder apenas com medida de reclusão contra o agressor. Isso porque, o poder punitivo do Estado apenas em seu âmbito encarcerador, além de não impedir que mulheres sejam violentadas, não oferecem amparo para as vítimas, pouco contribuindo para a desconstrução dessa lógica machista. Dessa forma, ampliar a discussão ao que antes era restrito em punir o agressor passa a fornecer à mulher uma proteção menos deficitária.
É preciso, no entanto, reconhecer que falhamos enquanto projeto de sociedade. É preciso entender que a discussão feminista não se restringe à liberdade sexual da mulher como muitos ainda insistem em alegar. É necessário que homens observem o quão privilegiados são e que lutem pela desconstrução desta injusta lógica, que somente vai ocorrer mediante um processo de conscientização de todos.
Datas como a de hoje servem, sobretudo, para promovermos o debate e colocarmos em pauta todos os tipos de violência sofrida por mulheres, desde aquelas que lesionam o seu corpo, àquelas que, muitas vezes, a sociedade finge que não vê. Porque os avanços legais são de fato importantes armas nessa luta, mas que sozinhos não resolvem o problema: mulheres são agredidas, violentadas e mortas apenas por serem mulheres. Todos os dias.
Maria Clara Scolforo Giori, advogada do escritório Peter Filho, Sodré, Rebouças & Sardenberg
OAB 31.729