Advocacia na fronteira de seu tempo: disrupção, inovação e transformação | Por Jovacy Peter Filho
Muito se fala hoje em disrupção. Mas a pergunta que fica é: até que ponto esse conceito afeta a advocacia e quanto dele pode ser aplicado à carreira? Para podermos avançar na aplicabilidade ou não da noção de disrupção ao universo da advocacia, é necessário estabelecermos um alicerce conceitual do que vem a ser disrupção. Os dicionários costumam associar a expressão a uma interrupção de curso ou mudança de rota. Uma proposta conceitual dinâmica e mais vinculada ao campo dos negócios foi apresentada por Clayton Christensen, professor de Administração na Harvard Business School.
Na obra “The innovator’s dilemma: when new technologies cause great firms to fail”[1], publicada em 1997, Christensen apresentou uma estrutura teórica ligada a disrupção, cujo pano de fundo eram processos inovadores e reinventivos. Esse modelo de ação inovadora estaria voltado a descrever e executar condutas capazes de oferecer produtos de mais fácil acesso ao público a que se destinam, criando um novo mercado de consumidores antes não visualizados ou que sequer conheciam suas necessidades, desestabilizando as empresas ou escritórios até então líderes históricos em suas áreas de atuação.
A essa maior acessibilidade e aproximação com os potenciais destinatários dos serviços, surge um dos primeiros pilares que eu considero essenciais ao advogado conectado a esse movimento de inovação disruptiva: a capacidade de ser um bom comunicador.
Vivemos imersos em uma era de intenso tráfego de informações, comunicações globais em tempo real e pessoas constantemente conectadas a redes de relacionamentos que lhes apresentam uma infinidade de dados e especulações. Um tempo em que o conhecimento técnico é convidado a interagir com uma complexa teia social, em um interjogo entre a academia e a sociedade. Há, portanto, uma crescente demanda para que o profissional do Direito traduza os signos próprios da área jurídica, permitindo um diálogo mais próximo com os cidadãos, em uma tarefa eminentemente democrática e socialmente edificante.
O advogado não pode mais se restringir a uma linguagem própria do cotidiano forense. Mas, a partir dela, precisa se abrir num esforço de tradução e aproximação sociais. Os advogados são, nesse novo ambiente disruptivo, convidados a figurarem como fontes informativas de acesso ao universo do Direito. Esse convite não cumpre apenas a função de posicionamento do profissional no mercado, mas, para além disso, serve para posicionar a própria advocacia como atora do processo de mudanças que a sociedade tem experimentado.
A capacidade de gerar conteúdo de qualidade, capaz de dialogar com os variados públicos, exige postura técnica e compromisso ético com a história da carreira, com a expectativa constitucional que ela carrega e, sobretudo, o compromisso cívico de bem informar a população. Eis uma função de utilidade pública que os advogados não só podem, como devem cumprir em tempos de disrupção.
Conhecimentos em mídias sociais, gestão e tecnologia da informação e interface com a imprensa passam a ser elementos cada vez mais indispensáveis ao advogado desse tempo, na medida em que dele se espera não somente a partilha de estágios processuais dos casos patrocinados, mas que contextualize esses mesmos casos no cenário social e no momento histórico, e que atue efetivamente como patrono de uma mensagem que conecte o mundo das normas (dever ser) ao plano dos fatos (ser), servindo como elemento de formação e transformação de uma vasta e, por vezes, inimaginável quantidade de pessoas.
Outro aspecto dessa evolução social e tecnológica disruptiva, marcada por mudanças estruturais rápidas, mercados em constante alteração e padrões outrora consolidados sendo frequentemente postos à prova, está exatamente a capacidade de análise de cenários e o comprometimento com uma gestão pessoal e corporativa eficientes. Aqui, encontramos o segundo pilar indispensável aos advogados em nosso tempo: o conhecimento de temas ligados à Gestão Legal.
Não tenho dúvida de que cenários complexos e disruptivos exigem respostas mais elaboradas, seja para que se possa antecipar medidas, seja para que seja realizado o adequado posicionamento profissional. E não apenas o contexto social está a exigir uma postura inovadora do profissional, mas também o campo de trabalho da advocacia no Brasil. Dados fornecidos pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)[2] indicam que o Brasil possui aproximadamente um milhão e cem mil profissionais inscritos em seus quadros, sendo esse número, por si só, um dado que traduz a necessidade de diferenciais competitivos para um adequado posicionamento do advogado.
Soma-se a isso o elevadíssimo número de faculdades de Direito que, ano após ano, formam novos milhares de bacharéis. Portanto, o número está em franca ascensão e o pensamento mais singelo indicaria que as oportunidades de mercado caminham exatamente na contramão desse crescimento. Será assim mesmo? A resposta a essa pergunta é relativa e exige uma breve incursão no perfil majoritário do profissional que é formado no Brasil.
As faculdades de Direito possuem matrizes curriculares que evidenciam a opção pelo conhecimento jurídico e pelas disciplinas dogmáticas. Pouco – ou nada – é apresentado sobre mercado de trabalho, desafios da carreira, gestão financeira, inovação, administração legal, marketing jurídico, tecnologia da informação, interface com a imprensa e por aí vai.
Sem uma base mínima desses saberes, o profissional chega ao mercado num grande dilema: conhece razoavelmente a técnica jurídica e a operação do Direito, mas tem grande dificuldade em realizar tarefas iniciais para colocar o conhecimento em prática, tais como captar e fidelizar clientes, gerenciar documentos, negociar honorários e, até mesmo, implementar técnicas de gestão para o recente escritório ou para a carreira que se abre em um escritório já estabelecido.
Não há campo mais evidente de influência da disrupção no Direito do que esse. O perfil do profissional tem sido forjado na prática sem que esse movimento encontre a necessária contrapartida no processo formacional. Em tempos de rápidas mudanças, a evidência demonstra que a burocracia educacional não conseguiu acompanhar as contingências apresentadas pelo mercado. Nos dizeres da professora Anna Luiza Boranga, no livro “Conceitos de administração legal”, “o advogado aprendeu a advogar e em nenhum momento da faculdade de Direito teve acesso a modernas técnicas de administração que pudessem lhe fornecer subsídios para facilitar essa tarefa.”[3]
Nesse sentido, um exemplo pode ser apontado com a recente divulgação do IBM Wattson, um sistema de inteligência artificial que promete a substituição de advogados pela máquina em diversas tarefas jurídicas. Eu, particularmente, não acredito que a profissão está ameaçada, mas alguns perfis profissionais sim. O advogado que se ensimesmar em uma postura burocrata de quem acredita que advogar é apenas construir teses, peticionar e realizar audiências, encontrará muita dificuldade diante das mudanças já iniciadas. Essas habilidades sempre serão necessárias, mas outras tendem a serem mais exigidas: capacidade de comunicação eficiente, gestão do tempo e da imagem, administração de rotinas de trabalho e fluxos processuais, comunicação franca e organizada com os clientes e formação de uma rede eficiente de networking.
Do profissional se exige um dinamismo nunca antes visto e os que forem resistentes a essa evidência correrão o sério risco ou de sequer ingressarem com consistência do mercado ou, se neles estão, de serem gradativamente substituídos por profissionais mais sintonizados com essa era da disrupção.
Por fim, o terceiro pilar é a formação interdisciplinar. Esse aspecto é quase um desdobramento dos outros dois, mas é muito importante que ele se estabeleça como uma diretriz para o profissional da advocacia que pretende se posicionar adequadamente num mercado de frequentes ajustes, evoluções e transformações. O conhecimento jurídico em sentido estrito, nesse contexto, é um pressuposto indispensável e do qual o bom advogado nunca pode abrir mão. Mas, ao tempo em que se atualiza com as novidades normativas e dogmáticas, deve empreender um compasso de atualização de toda uma cadeia de saberes que transcendem o jurídico e tocam as disciplinas de administração legal, finanças, inovação e empreendedorismo, gestão de pessoas, estratégias jurídicas, tecnologia aplicada ao Direito e, especialmente, recursos que tornem o trato humano o maior diferencial desse profissional que se espera plural, antenado às mudanças e igualmente humilde para poder agregar o novo sempre que ele despontar.
Eis o desafio de nosso tempo; eis o desafio que podemos e devemos assumir como cidadãos e como advogados engajados na missão de estar na dianteira dos processos de mudanças e na vanguarda da garantia de uma sociedade efetivamente republicana e democrática.
Por Jovacy Peter Filho.
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[1] O livro foi traduzido para o português com o seguinte título: “O Dilema da inovação: quando as novas tecnologias levam as empresas ao fracasso.”
[2] Os números podem ser encontrados no link < http://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados>
[3] Boranga. Anna Luiza. Conceitos de administração legal. In: Boranga, Anna Luiza; Salomão, Simone Viana. Administração legal para advogados. 1ª edição/2ª tiragem. Ed. Saraiva: São Paulo, 2010, p. 06.